segunda-feira, 10 de junho de 2013

“NOSTALGIA NEO-REALISTA”



No bar, onde se comia lingüiça acebolada
Com pão à francesa, agora está um homem
Imensamente gordo vendendo móveis usados;
As livrarias, onde se comprava um livro de segunda
Ou terceira mãos, ás vezes edições portuguesas;
Os antiquários insondáveis, onde se encontrava até
O gato profissional de dormir no balcão
Ou no fundo da loja;
Os lugares onde se achava um disco raro
De Mário Reis à Jacob do Bandolim
De Dolores Duran a discos de jazz
Ou das grandes bandas dos anos 50,
Todas essas relíquias, onde até a poeira
Das teias de aranha nos faziam recordar
Tosses asmáticas e antigos fantasmas;
Enfim, todos esses lugares estão sendo ocupados
Por estacionamentos, brexós de roupa e móveis velhos
Ou simplesmente tombados para alargarem uma rua
Ou para dar lugar a edifícios de não sei quantos andares.

Os amigos, encontrados no centro da cidade,
Que engoliam a pressa junto com um chope
Ou uma sardinha frita;
Os amigos que nos paravam para ver
O faquir deitado na cama de pregos
O equilibrista que deixava bolas e argolas
Caírem ao chão a todo momento
E se divertia com as vaias da platéia;
O engolidor de pregos, de fogo, de gilete,
De caco de vidro, que depois, passava o chapéu
Para ser recompensado por tanta bravura,
Ah! Esses amigos sumiram no tempo
Enclausuraram-se em escritórios sob ar/ condicionados
Buscando uma outra vida, em outras esferas
Perderam a magia, o encanto desses autônomos
Artistas de rua, improvisando
E vendo a vida passar sem tanta angústia

Mas, o que fazer? Estamos vivos
E a ordem é renascer a cada minuto
Com os olhos saltados de emoção,
De perplexidade, de encantamento, de tédio
Somos bichos da cidade
Conhecemos a sarjeta
Cada escombro, cada número
As prostitutas nos olham com intimidade
A noite nos traga no mesmo gole
Chegaremos ao ano 2020
Com o saco distendido de tanto pensar

Da mesma forma que hoje
Sairão caixões, simultaneamente,
Da zona norte do Rio
E de alguma parte do Brasil
Não haverá grandes acompanhamentos
A não ser de almas piedosas
E pivetes prestadores de pequenos serviços

Por enquanto, há pássaros no ar
E parecem felizes
O galo continua cantando ás cinco e triste da manhã
Em Cascadura, Jacarepaguá, Campo Grande, Teresópolis
No interior de uma cidade qualquer do Nordeste,
Em Mato Grosso do Sul, enfim,
Onde existia um galo querendo cantar logo cedo

Estamos vivos, os olhos abertos
A alma silenciosa
O IML é um convite à loucura
Inscrevamo-nos no Exército da Salvação
Na Legião Estrangeira
No Voluntariado Internacional
Liguemo-nos ao Comitê Brasileiro pela Anistia
Ao Ibase, à Abia
Apoiemos a ABI, a OAB, a CNBB
Sigamos o Papa aonde ele for
E sejamos multidão estupefata
Ante qualquer atentado
Tomemos pinga com bolo de chocolate
Ultrapassemos o sinal fechado
A barreira do som
Sejamos contra-mão ou alucinação
Leiamos poesia bem alto
Para acordar o passageiro
Que dormiu com o cigarro aceso entre os dedos
Ouçamos música clássica
Como fundo musical ao vizinho
Que só escuta samba-enredo e Martinho da Vila...

(Após a parede há o muro
E, segundo Sartre,
O muro é o obstáculo
O muro é a existência
Mas não é a essência
A coisa genuína é a terra
Que  incha o muro e o derruba
É a força que faz crescer o capim
Alto até cobri-lo)

Nossos mortos nos acompanham
E é necessário continuar ouvindo
Os que já se calaram
Na hora em que dormimos
Eles ficam nos protegendo
Ou não fazem nada
Mas ficam na nossa consciência
O certo é não prometermos nada
Nem construir sindicatos
Nem federalizar a dor
E distribuí-la em pílulas
Paliativos acabam aumentando a resistência
Da verdadeira dor incurada
Prometamos, sim, resistir
Não desejar nada
Além do possuído
E buscar o prazer no redescoberto,

Portanto, vivenciado.

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