O RATO ROEU O QUEIJO DO REI
Em um momento de CPI, que pode ser Comissão Parlamentar de Inquérito ou Calado Permanecerei Indefinidamente, andei relendo meu mestre e homônimo, Rubem Alves, filósofo da simplicidade, e me deliciei ao reler a fábula "O rato comeu o queijo do rei", recontada por ele. Achei que vocês mereciam dividir esse prazer comigo e aí abaixo segue a fábula que faz pensar sobre democracia e convivência...
Fábula:
"Havia, outrora, num país distante, um rei que amava os queijos acima de quaisquer outros prazeres. O seu amor pelos queijos era tão grande que ele mandou vir, de todas as partes do mundo, os mais renomados especialistas em queijo, aos quais foram oferecidos recursos não só para continuar a fabricação dos queijos já conhecidos, como também para se dedicar à pesquisa de novos queijos, para assim alargar as fronteiras da ciência, da técnica e da gula.
Ficaram famosos os queijos fabricados com leite de baleia e leite de unicórnio, este último procuradíssimo por suas virtudes afrodisíacas.
O palácio do rei era um enorme depósito de queijos de todas as qualidades, encontrando-se nele os queijos, camembert, cheddar, edam, emmenthal, gorgonzola, gouda, limburger, parmesão, pecorino, provolone, sapsago, trapista, prato, minas, mozarela, ricota, entre outros.
O país tornou-se famoso e enriqueceu-se com a exportação de queijos.
O seu cheiro atravessava os mares. Universidades foram criadas com o objetivo de desenvolver a ciência dos queijos. Houve mesmo uma escola teológica que concluiu que o santo sacramento da eucaristia não foi celebrado com pão e vinho, mas com queijo e vinho, donde se originou o costume que perdura até hoje nas celebrações profanas...
Aconteceu, entretanto, que além do rei e do povo havia outros seres no reino que também gostavam de queijos: os ratos. Atraídos pelo cheiro que saía do palácio, mudaram-se para lá aos milhares e passaram, imediatamente, a banquetear-se com os queijos reais.
Os ratos comiam e se multiplicavam. Tomaram todos os lugares, armários, gavetas, canastras, camas, sofás, cozinha, cofres e até mesmo a barba do rei. O rei passou a ser morada de ratos.
Mas o pior de tudo é que os ratos, premidos por imperativos intestinais, tinham de expelir por uma extremidade o que haviam engolido pela outra e, à medida que andavam pelo palácio, espalhavam um rastro de minúsculos cocozinhos durinhos e malcheirosos.
Furioso, o rei champou os seus ministros e perguntou-lhes: - Que fazer para nos livrarmos dos ratos ?
É fácil, majestade, é só trazermos os gatos, responderam.
O rei ficou felicíssimo com idéia tão brilhante e mandou trazer uma centena de gatos para dar cabo dos ratos.
Os ratos, ao verem os gatos, fugiram espavoridos. Foram-se os ratos. Ficaram os gatos, que encheram o palácio. à semelhança dos ratos, os gatos comiam tudo o que viam e, compelidos pelas mesmas exigências fisiológicas que moviam os roedores, cobriram os brilhantes pisos do palácio com seus cocôs fedorentos.
Furibundo, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes: - Que fazer para nos librarmos dos gatos ?
É fácil, majestade. É só trazer os cachorros, responderam.
Vieram os cachorros de todos os tipos, grandes e pequenos, curtos e compridos, lisos e pintados.
Os gatos, ao verem, fugiram espavoridos. Foram-se os gatos. Ficaram os cachorros, que encheram o palácio. E a mesma história se repetiu. Ao final, havia cocôs de cachorro por todos os lugares do palácio.
Apoplético, o rei chamou os ministros e perguntou-lhes. - Que fazer para nos livrarmos dos cachorros ?
E eles responderam: - É fácil, majestade. É só trazer os leões.
Vieram os leões com suas jubas e urros. Os cachorros, ao verem os leões fugiram em desabalada carreira. Foram-se os cachorros. Ficaram os leões. Mas os leões não só comiam cem vezes mais, como defecavam cem vezes mais que os minúsculos camundongos. O tesouro real entrou em crise. Baixaram as reservas de ouro. O dinheiro não chegava para pagar as carnes que os leões comiam. Nem para pagar os catadores de cocô, que entraram em greve.
Desesperado, o rei chamou os ministros para lhe dizer como se livrar dos leões.
E eles responder: É simples, majestade. Traga os elefantes.
Foram-se os leões. Ficaram os elefantes. Enormes, eles comiam montanhas e defecavam montanhas., o palácio transformou-se num enorme monte de bosta de elefante. E a fedentina encheu o reino e atravessou os mares.
Em depressão profunda, o rei chamou os seus ministros e perguntou-lhes com voz sumida.
- Que fazer para nos livrarmos dos elefantes ?
Os ministros lembraram-se, então, que os elefantes, que nada temem, estremecem de medo quando vêem um rato. E responderam em coro: - É fácil, majestade. Basta trazer os ratos!
E assim foi feito,. Voltaram os ratos. Foram-se os elefantes. O rei e todos os que moravam no palácio passaram sorridentemente a conviver com os ratos e seus cocozinhos".
E, aí, o mestre Rubem Alves, nos deixa uma lição: " O dia chegará em que minha neta terá crescido. Ela aprenderá sobre política. Talvez queira visitar o Congresso Nacional. Vendo aquele palácio, talvez lembre a história e talvez comente..."Vovô, deve haver muitos ratos por aqui..." E eu responderei: - Sim, muitos!
E ela me perguntará: - "Mas por que não trazem os gatos para acabar com os ratos ?"
Então, eu lhe contarei de novo esta história e lhe direi: "Aprenda a grande lição da democracia: é preferível cocô de rato à bosta de elefante..."
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